Nas últimas semanas, casos de racismo em ambiente escolar vieram à tona em São Paulo e em Brasília. O Colégio Vera Cruz, escola de alto padrão da capital paulista, suspendeu duas alunas após elas terem escrito ofensas de cunho racial no caderno de uma colega negra. Os pais de uma das agressoras, por meio de um comunicado que circulou nas redes sociais, lamentaram o ocorrido e disseram que vão retirar sua filha da escola.
"Depois de amplo e intenso processo de apuração, foi possível promover um encontro entre os três alunos envolvidos, com mediação da escola. Em seguida, os agressores foram informados das sanções definidas inicialmente, dentre elas, uma suspensão por tempo indeterminado", diz a nota do Vera Cruz.
Outro caso que chamou atenção aconteceu em Brasília, na escola particular Galois, onde uma partida de futsal entre duas instituições resultou na expulsão de alunos. As vítimas foram chamadas de "macacos, pobrinhos e filhos de empregada". De acordo com informações da Agência Brasil, dez alunos foram notificados pelo colégio, e cinco solicitaram o desligamento voluntariamente. Para os demais, foram aplicadas sanções de acordo com a participação de cada aluno no episódio.
Diante de tais acontecimentos, a assistente social, mestre e doutora em Serviço Social e escritora do livro "Racismo na Infância", Márcia Eurico, falou sobre as decisões pedagógicas dos colégios. Para ela, os locais reproduzem cotidianamente práticas racistas na escolha política dos conteúdos pedagógicos e na contratação de profissionais majoritariamente brancos para exercer cargos de direção, de coordenação e docência, ao mesmo tempo em que contrata, principalmente, mulheres negras para trabalhos braçais.
"Crianças brancas, sobretudo em escolas de alto padrão, são ensinadas desde cedo que suas vidas e seus direitos são infinitos e estão autorizadas a desqualificar outras crianças, negras e indígenas, porque a ambiência escolar é branca. Os efeitos do racismo na vida escolar de crianças e adolescentes negros são devastadores, independente da classe social. Razão pela qual as medidas administrativas têm potencial pedagógico, mas não atingem a raiz do problema", afirmou.
A pesquisadora e docente da UNIFESP ainda ressaltou que os recentes casos de reprodução do racismo nas escolas têm evidenciado que o ambiente onde ocorreram continua a negligenciar um debate sério sobre diferenças raciais e sobre a importância de educar para relações étnico-raciais, ao invés de culpabilizar individualmente os estudantes.
De acordo com Eurico, é evidente o quanto a educação continua sendo baseada em tradição escravocrata: "As medidas administrativas são pedagógicas, cabe à escola definir o tamanho e qual é a melhor medida, do ponto de vista da ação individual de estudantes, mas isso não basta se esta escola não estiver pronta para, a partir deste momento, fazer um debate amplo e doloroso sobre todas as formas enraizadas de racismo no seu espaço".
Márcia chama atenção para a grande contradição existente no discurso dessas escolas: "As situações que aconteceram apontam que o racismo está presente naquele local, e uma das formas da instituição se proteger da sua própria negligência é agir de maneira punitiva apenas em relação ao sujeito que pratica aquilo que está no contexto cotidiano."
Por fim, a professora dá a sua opinião sobre o porquê de casos assim continuarem acontecendo: "As crianças e adolescentes que praticam racismo, o fazem porque eles têm autorização, explícita ou implícita, dos adultos ao redor quanto ao seu direito de exercer a superioridade e de desconsiderar e desvalorizar a presença de outras crianças, de outros alunos e alunas que são considerados inferiores".
Márcia Campos Eurico é a autora da obra "Racismo na Infância", pela Cortez Editora. Ela apresenta, no volume, um importante debate sobre a intersecção entre racismo e infância e o quanto a ideologia racista impacta de maneira violenta na vida das famílias negras brasileiras. Os relatos dos profissionais entrevistados explicitaram a complexidade do fenômeno da institucionalização de crianças e adolescentes no Brasil.
Serviço
Livro "Racismo na Infância", por Márcia Campos Eurico
Número de páginas: 176
Valor: R$ 76,00
Sobre Márcia Campos Eurico
É Assistente Social, Mestre e Doutora em Serviço Social pela PUC-SP. É Professora Adjunta no Curso de Serviço Social da UNIFESP – Campus Baixada Santista E está na coordenação da ênfase de Raça/Etnia que integra o GTP Serviço Social, Relações de Exploração/Opressão de Gênero, Feminismos, Raça/Etnia e Sexualidades da ABEPSS - Biênio 2019-2020.
